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terça-feira, outubro 06, 2009

Da mentira

São Paulo, av. Sumaré, um mar de carros à frente. O termômetro marca 33 graus de cinco em cinco segundos. Um sol de rachar (ou derreter) o asfalto permanece firme e imponente no céu. Nuvens escuras ameaçam o já complicado trânsito da cidade. Represada entre um semáforo e outro, eu aguardo conformadamente a hora de sair do lugar. O calor aumenta a impaciência. E, olhando ao redor, me retorço por dentro de choque.

Um muro mal pintado que serve de moldura para uma frondosa árvore me chama a atenção. Em sua cor bege encardida, uma inscrição em preto: "A verdade é que você mente todos os dias". Uma acusação grave. Uma invasão total e completa do meu ser. Um alguém anônimo, que eu jamais saberia quem, de repente olhou fundos nos meus olhos com suas letras escuras e simples e me apontou o dedo.

E eu gostei.

Essa ousadia em dizer a mim - a mim! - o que eu faço de errado todos os dias me tocou profundamente. Talvez por essa coragem de invadir o meu pensamento assim, com afirmações tão pesadas, mas acredito que, de fato, aquela mensagem está certa.

Eu minto todos os dias. E acho que todo mundo mente também.

Eu minto quando abro um sorriso de bom dia para alguém que não faz a menor diferença na minha vida, mas que, por alguma razão, está ali, na minha frente, e eu preciso ser educada. Eu minto quando dou atenção aos idiotas - e ainda faço observações pertinentes sobre suas idiotices. Eu minto quando finjo conhecer alguém que de fato me conhece, mas que eu não tenho a mais vaga idéia de quem seja. Quando finjo ter paciência para ouvir e não ouço absolutamente nada. Quando aceito sugestões de pauta por e-mail e bem sei que aquilo não vai render nada. Ou quando eu aceito sugestões, sabendo que elas não vão me ajudar em nada também.

Eu minto quando me olho no espelho e me entupo de maquiagem. Ou quando faço escova no cabelo para ficar mais "apresentável". Quando eu finjo que adoro comer alface, só porque estamos num período "geração saúde". Eu minto quando acordo e repito mentalmente "você precisa ir para a academia", quando eu bem sei que as coisas não são bem assim. Quando eu digo que não posso comer muita bobagem - sim, eu posso, eu não engordo, não tenho estrias e nem celulite, mas falar isso significa criar antipatia instantânea. Também minto quando digo que adoro beber, bebo e fico morrendo de sono, pensando why the hell eu topei beber tanto assim.

A verdade é que mentimos todos os dias, nas mais diversas situações e para todo mundo, inclusive nós mesmos (as). Aliás, principalmente para nós mesmos (as). Quantas vezes enfiamos na cabeça que algo jamais vai ser possível, que as coisas são assim e que você é incapaz de realizar qualquer coisa - até mesmo mudanças? Quantas vezes temos que engolir uma desculpa esfarrapada enquanto seguramos um coração arrasado dentro do peito? Ou, quantas vezes temos que vestir uma máscara, daquelas bem grossas e que te deixam completamente irreconhecível, apenas para sobreviver a mais um dia na sua rotina diária?

Por isso, essa frase simples, porém de uma profundidade tão grande, me deu um tapa na cara. Um soco no estômago. E eu admito: eu minto. Todos os dias. Em vários momentos. Para muita gente.

E o mais triste é que dificilmente alguém vai saber quando isso estiver acontecendo.

Um comentário:

Um dia Florido para todos disse...

Excelente! Me vi mentindo em várias situações também. Beijos