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quarta-feira, março 17, 2010

Um conto

Aquela era a última noite do restaurante. Larissa havia herdado dos pais aquela simpática e modesta pizzaria. Estava na família há anos, desde que a família chegou ao Brasil. Fugiam da guerra, da perseguição à vida, da falta de esperança. Nascida aqui, ainda sentia o sangue polonês nas veias, no cabelo branco antes loiro dourado, a pele alva, estatura maior do que a das meninas da escola que frequentou.

Mas o mundo mudou e o que antes era um bairro de classe média transformou-se em um dos mais chiques da cidade. A clientela, antes fiel, foi perdendo o ritmo, conhecendo novas casas, novos sabores. E a pizzaria foi ficando esquecida na memória. Nem o restaurante polonês, que abriu no andar de cima do lugar, foi suficiente para manter a chama acesa. Ninguém estava interessado em saber quais eram as receitas preferidas da avó paterna, da tia preferida que morreu antes de entrar no navio, ou da mãe, que nunca encontrava ingredientes para os seus cozidos aqui no Brasil.

Então era isso, aquela ela a última noite. Enquanto se perdia em recordações, um casal subitamente entrou no salão pequeno e aconchegante. Larissa de imediato se aprontou, ofereceu gentilmente o cardápio. Sorriu. Não iria passar aquela última noite sozinha. Com o pizzaiolo apenas na cozinha, os garçons já dispensados, ela esperava a melancolia bater até a hora de fechar as portas. O casal parecia alegre, feliz. Estavam apaixonados, comemoravam alguma coisa. Pediram champanhe. A senhora polonesa não cabia em si de contentamento e serviu a melhor garrafa da casa, pelo mesmo preço do pedido original. Afastou-se.

Larissa observou o casal de longe. Tinha saudades do marido, já falecido, e pensou que fazia tempo que não falava com as filhas - as duas não moravam mais na cidade. Pensou em como os dias, as horas, os meses e os anos passaram, e em como certas coisas jamais seriam esquecidas. E sentiu-se contente em receber pessoas tão agradáveis, tão aparentemente completas, em sua última noite como dona daquela pizzaria. Pensou que seria um ciclo fechado. Algo terminado de forma muito bela.

Baixou a luz e deixou que os pequeno abajures das mesas fossem a única fonte de iluminação do lugar. O casal sorriu, de longe, agradecendo o cuidado. Larissa vibrou. Estava determinada a fazer daquela noite a mais especial de suas vidas - dela e deles. Serviu uma amostra de todos os sabores que sua cozinha poderia fabricar, ordenou ao pizzaiolo que fizesse a melhor massa e que o recheio fosse farto. Serviu mais uma champanhe, por conta da casa. Nos intervalos, observava o casal, as conversas, as pessoas passando lá fora sem saber o que acontecia ali. Sentiu então a melancolia bater. Já passava das dez e o casal já havia pedido a sobremesa. A hora se aproximava.

Quando pediram a conta, Larissa sentiu o coração apertado. Conteve as lágrimas, passou o cartão na máquina e entregou o comprovante. Os dois se levantaram, agradeceram efusivamente e disseram: "Não se preocupe, voltaremos sempre que pudermos!". A senhora sorriu. Trancou a porta, fechou as cortinas, e pensou que nunca mais veria aquele casal tão jovem, alegre. Cheio de vida.

Mas era hora de ir. Virou-se e deu adeus.

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